Texto assinado por candidato à presidência da
Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), pela Chapa 2, indica limites da
compreensão a um debate necessário na formação profissional
Compreender é, sempre, a condição elementar
para discutir temas polêmicos, que vão além de simples polarizações políticas.
Esta poderia ser a primeira dica que o candidato a presidente da Federação
Nacional dos Jornalistas, pela Chapa 2 (Luta, Fenaj), deveria considerar se, a
partir de agora, precisar se manifestar sobre assuntos que ainda
demandam atualização e a compreensão da complexidade de problemas com
abrangência nacional.
O texto (“Novas diretrizes curriculares do curso de
Jornalismo escamoteiam poder do oligopólio e ‘atendem’ mercado”), assinado por
Pedro Pomar e divulgado em alguns sites (desde meados de maio/2013), faz uma
leitura apressada da proposta das Diretrizes Nacionais Curriculares aos cursos
de Jornalismo, ignorando alguns aspectos que, se bem assessorado por seus
colegas, poderiam ter evitado falar de algo que exige conhecimento e
um mínimo de contextualização.
Não estranha tal postura em disputas eleitorais!
Afinal, a opção pela crítica, diante da ausência de propostas concretas sobre
um tema específico, é uma conhecida postura de quem não consegue se
justificar sobre o que pretende e como poderia
ser diferente... Mas, vale retomar alguns aspectos!
“A ausência mais aguda nas Diretrizes Curriculares
é a do Capital”, diz o texto. “O sistema responsável pela produção da maior
parte do jornalismo brasileiro” seria ignorado no documento. Tudo bem! Mas,
será mesmo que tal interpretação seria mais relevante do que a identificação
das contribuições presentes na proposta da Comissão de Especialistas da
área?
De novo, o estágio em Jornalismo! Pedro Pomar
critica a postura da Comissão - e a consequente proposta aprovada no CNE – de
regulamentar o estágio na área. Apenas para entender, a obrigatoriedade do
estágio nunca foi consensual no campo jornalístico, ao menos ao longo das
últimas três décadas. No entanto, alguma medida precisa ser tomada, o mais
breve possível, com um mínimo de coerência e aceitação. Afinal, fechar o olho
para a realidade e ignorar que, na grande maioria dos 350 cursos de Jornalismo,
estudantes já realizam atividade de estágio – seja por conta própria, de forma
voluntária, ou em precárias condições e, pior, na maioria das vezes, sequer com
aval das instituições – seria um exercício de ‘miopia política' assumida. Ou
por que será que, desde início dos anos 1990, se discute estágio e sequer se
conseguiu qualquer acordo no meio profissional jornalístico, até o momento? A
proposta de DCN assume que, sim, é preciso regulamentar e, aos poucos, tentar
intervir com um mínimo de condições na área. Aliás, nas principais cidades do
País, algumas escolas ousam ofertar vagas em cursos já com anúncio de estágio,
como estratégia de marketing, em absoluto descaso com a legislação vigente.
Qual a saída? Da forma como está, neste momento, sequer dispomos de condições –
seja como professores, dirigentes sindicais ou estudantes – de tentar segurar a
lógica mercantil do ensino (privado ou não).
Vale, neste caso, lembrar que, desde 2008, existe
uma lei (federal) do estágio que consegue ser até mais eficiente que a crítica
habitual feita em Jornalismo, e reproduzida por Pedro Pomar, talvez por ser uma
defesa simplista, que em nada consegue interferir na realidade. Apesar da
polêmica – entre estágio obrigatório ou facultativo –, a urgência é criar
mecanismo para regularizar situações que, a cada semestre, expõem estudantes
sem qualquer aceitação por parte de instituições, uma vez que as atuais
diretrizes (em Comunicação) omitem este problema. E isso, agrade ou não a
todos, a proposta que chegou ao CNE pode, certamente, contribuir de modo mais
eficaz.
O texto do candidato a dirigente sindical em
Jornalismo critica o documento das DCN por valorizar “excessivamente as redes
sociais e a convergência digital, bem como os ‘novos sujeitos’, sem levar em
conta que prossegue a célere o processo de concentração e fusão das corporações
gigantes da mídia”. Como assim? De novo, é preciso situar: o foco do texto das
DCN não é uma análise social da mídia! Se assim fosse, seria necessário mudar
inclusive o título. Agora, um aspecto que deve ser considerado na proposta
aprovada é exatamente o reconhecimento do potencial, ainda que imprevisível e
não controlado (pois mantém a mesma lógica da concentração registrada nos
diversos meios, mas ao mesmo tempo uma possibilidade de expressão de grupos),
das redes sociais. Na dúvida, seria oportuno voltar algumas semanas para
confirmar como e a partir de onde foram articuladas as manifestações que
levaram milhares de pessoas às ruas em centenas de cidades do País. Se
algo está fora de lógica, aqui, não parece ser a proposta das DCN em
Jornalismo! Aliás, o assunto é tão sério e atual que, muito provavelmente,
se estivesse fora das diretrizes, a ausência seria duramente criticada por
candidatos que tendem a se manifestar com mais ênfase em momentos
eleitorais.
A vontade de contrariar do autor da crítica aqui
abordada vai além! Pomar tenta responsabilizar a Comissão de professores que
sistematizou a proposta de citar o mercado “acriticamente”, afirmando que,
desta forma, o jornalista seria visto “apenas como força de trabalho para as
empresas de jornalismo”. Uma observação para pensar! Mas, é preciso entender
que elaborar um documento com diretrizes de abrangência nacional para orientar
currículos de ensino em Jornalismo demanda uma compreensão de pluralidades
regionais, referências sócio-econômicas e geográficas, dentre outras variáveis
que marcam outras dimensões deste Brasil. E, pois, qualquer tentativa de
simplificar problemas como se tudo ficasse no limite de uma ou duas cidades do
País seria tão ou mais trágico do que os padrões vigentes.
Um giro rápido em algumas das 350 escolas de
formação universitária em funcionamento no País já seria suficiente para
entender que, da forma como está, e considerando a complexidade da própria
universidade brasileira – formada por mais de 75% de vagas ofertadas em IES
particulares, sob as mais diferentes formatações – a defesa da formação deve
ter a mediação de setores diversos, como pesquisadores, estudantes e
professores em Jornalismo. Em política, é preciso avançar da forma como se pode
e não ficar preso às formulações passadas ou distantes da realidade
social.
O documento da DCN é, como se vê, uma proposta
viável, resultante de um consenso possível, ainda que bem longe da unanimidade,
mas acima de tudo se trata de uma proposta capaz de regularizar situações que,
cada vez mais, deixam entidades sindicais isoladas ou sem diálogo com o setor
de ensino profissional. Faltou, ao que parece, uma leitura mais atenta ao autor
da crítica, pois o texto da Comissão de Especialistas incorpora diversas formas
de realização da atividade profissional do jornalista e variados setores de
atuação. E, ainda que sempre haja espaço para crítica, os
principais setores com demandas sociais de mídia estão seguramente
contemplados. O mesmo se pode dizer em relação ao cuidado com as diversidades
regionais, que precisam ser consideradas em qualquer atualização curricular do
curso. A íntegra do documento, ainda que tenha sofrido adaptações na tramitação
do CNE, certamente é bem mais atual e desafiadora do que sugere em eventuais
leituras apressadas.
É neste sentido que, embora não de
forma consensual, se pode avançar com a regularização das
relações de ensino a partir do estágio curricular supervisionado, envolvendo
diretamente as IES no acompanhamento das atividades desenvolvidas por
estudantes em espaços profissionais. Se isso não é a saída para todos os
problemas atualmente registrados no mercado (descontrolado) do exercício
profissional em Jornalismo, ao menos garante as bases legais para a formação
universitária em condições mínimas de acompanhamento docente a partir dos
Cursos de graduação.
Agora, obviamente, sem este apoio das direções das
IES, professores e estudantes (de Jornalismo), qualquer proposta seria
inviável. Por isso mesmo, a expectativa, com a homologação das DCN pelo
Ministério da Educação, é que os Cursos possam, aos poucos, adaptar seus
currículos, respeitando especificidades regionais, sem apelar para a oferta
descontrolada de aprender com um mercado que pouco garante a uma área que
pressupõe investimento humano, sensibilidade crítica e capacidade de diálogo
com as complexidades do mundo contemporâneo.
No entanto, para quem prefere ver apenas o que
interessa, ou sem um diálogo com as contradições da realidade, deve ser difícil
vislumbrar contribuições em uma proposta construída ao longo de mais de uma
década, ainda que a Comissão tenha sistematizado em pouco mais de um ano,
com debates e intervenções públicas presenciais ou em rede. Aliás, é um
desrespeito ignorar o histórico de representantes das entidades envolvidos no
debate por diretrizes curriculares ao ensino de Jornalismo, como é o caso do
Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ), da Associação Brasileira de
Pesquisadores do Jornalismo (SBPJor), da INTERCOM e da própria FENAJ. Lembrar
o Movimento pela Qualidade do Ensino em Comunicação e o Seminário Nacional
pelas Diretrizes (realizado em Campinas em 1999) seria um modo simples, e
contextualizado, de respeitar interlocutores. E isso é, sempre, elementar
quando se trata de intervenção política ou em movimentos sociais. Aliás, os
diversos documentos do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo, cobrando
providências e políticas públicas na área, estão disponíveis para acesso aberto
(no site do FNPJ) e ajudariam muito neste debate.
Em uma manifestação mais eleitoreira que
consistente, o candidato da Chapa 2 parece esquecer que, independentemente do
resultado da eleição deste mês de julho/2013, a próxima direção da FENAJ deve pensar
em dialogar com os representantes dos diversos setores que, há vários anos (ou
décadas) lutam para melhorar as condições de ensino nos cursos de Jornalismo do
Brasil. Do contrário, qualquer ilusão de avançar isoladamente pode implicar em
retrocessos, provocados por eventuais atropelos de arrogância, que me nada
ajudam a entender a realidade do ensino universitário neste País.
Sem uma avaliação coerente, e em sintonia com a
realidade social, qualquer dirigente sindical – e, com os jornalistas, não é diferente
– se torna virtual e distante da base, antes mesmo de assumir a função
pretendida. Enfim, para não cair na contradição de um provérbio popular, também
em política, a ignorância parece estar mais próxima da maldade. Não por acaso,
em movimento social, um dos grandes desafios humanos é aprender a conviver com
a pluralidade.
Melhor acreditar que a FENAJ,
independente da eleição deste ou dos próximos anos, deve continuar apostando em
ações coletivas com entidades parceiras para garantir a aprovação e
implantação de critérios públicos para autorização, reconhecimento e avaliação
dos cursos (universitários) de Jornalismo.
Por fim, é oportuno conferir a proposta, já
aprovada pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação
(CNE), que aguarda homologação no Ministério da Educação, bem como o parecer do
projeto (39/2013). Afinal, o diálogo é sempre fundamental para tensionar
mudanças e, ao mesmo tempo, para que os diversos atores possam rever posições
em diferentes momentos da vida. E, para um tema polêmico, como é o caso de
Diretrizes Curriculares ao Ensino de Jornalismo, é preciso se manter aberto ao
diálogo. Sigamos, pois, em sintonia, para avançar também pelo
contraditório.
Sérgio Luiz Gadini,
jornalista, dr em Comunicação, professor de Jornalismo (graduação e mestrado),
voluntário em diversos projetos sociais e de mídia comunitária. O autor
acompanhou diretamente, inclusive com sugestões, o processo e elaboração da
proposta de Diretrizes Nacionais Curriculares em Jornalismo. (Em 14 de Julho de
2013)
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